Dizem que uma boa e completa relação amorosa pode ser percebida por algo muito especial, algo que os amantes afirmam ser “uma questão de pele”. Aquela intimidade que impede que uma das partes possa tentar esconder uma chateação, uma rusga, ou ainda uma simples preocupação, sem que a outra logo perceba. O odor muda, a palpitação, enfim, até a respiração denuncia o mal estar por qualquer motivo, muitas vezes, no caso dos amantes, banal.
É neste tipo de sensibilidade que as relações entre produtos e consumidores estão se inserindo.
Houve uma mudança na psique dos consumidores ou as corporações não perceberam que, por mais que seus encantos tenham arrastado multidões por muitas décadas, estão sendo traídas na hora “H”? Será que o desenvolvimento tecnológico acabou por prejudicar a naturalidade de tão saudáveis relacionamentos? Seria como se o ponto “G” da marca, então tranqüila e se considerando suficientemente envolvente para jamais perder seus adeptos, estivesse menos sensível, esquecendo a missão da conquista diária?
Dizem que, também no campo das relações, muitas delas se eternizam por falta de opção. Sórdido este comentário, mas, friamente analisando, é verdadeiro. Aí entrou a avassaladora oferta tecnológica como principal vilã dos, então saudáveis, relacionamentos. Os freqüentadores de salas de bate papo, orkut e blogs, agora também corporativos, que o digam.
Nos anos 80, Washington Olivetto e Eduardo Fisher, ícones da propaganda brasileira, já demonstravam, na criação, preocupação com a intimidade entre os produtos e o consumidor. Olivetto esbanjou conhecimento da emoção de uma pré-adolescente e seu primeiro sutiã, para a Valisère, enquanto Fisher, para demonstrar que a máquina de lavar roupas era uma intima parceira da dona de casa, colocou uma mulher literalmente dentro de uma White - Westinghouse, surpreendendo seu próprio cliente.
Mas, até a pouco mais de uma década ainda se encontrava apenas uma ou duas marcas líderes em cada segmento. Aquele determinado sabão em pó reinava soberano em um universo de consumidoras fiéis. O prazer era inexorável até que, num determinado canal de vendas, surgiu uma nova sedução. O novo pretendente ao coração da consumidora considerou a “brancura total” uma espécie de commodity e providenciou cantadas espetaculares com a promessa de realçar as cores, tirar manchas impossíveis... Aí a líder correu atrás e procurou juntar todos estes diferenciais e ofereceu um buquê de cores, cada matiz uma finalidade, um benefício. Bom, todos nós sabemos onde isto foi parar. Várias candidatas a líder se envolveram em uma excitante guerrilha de mercado e o consumidor, enfim, conquistou o poder, de poder escolher.
É, mas esta relação com o consumidor passou a ser uma relação de fato. Em sua edição 859, a Revista Exame relata uma quebra de paradigmas no campo das pesquisas tradicionais. Não que institutos de pesquisas, alguns tão consagrados que seus relatórios mais parecem cartas magnas, como o IBOPE, NILSEN, DATAFOLHA, entre tantos outros, tenham deixado de ter importância. Mas, mesmo nas técnicas mais apuradas parece faltar intimidade. O depoente nem sempre é natural. As reuniões são realizadas quase sempre em lugares que pouco têm a ver com a realidade de suas vidas. São confortáveis demais em relação ao meio em que vivem. A matéria da Exame trás depoimentos muito interessantes sobre esta mudança de atitude. Maria Eduarda Kertesz, diretora de marketing da Johnson & Johnson, por exemplo, “em uma pesquisa sobre absorventes femininos, visitou moradoras de pequenas cidades do Nordeste, muitas viviam em casebres de um só cômodo onde o único lugar para sentar era o colchão do casal. ‘Nessa pesquisa, afirma Eduarda, pudemos ver como a sexualidade feminina é encarada de maneiras diferentes nas diversas regiões do Brasil’. Ter este tipo de informação é fundamental na hora de criar produtos ou campanhas de comunicação”.
Por quê criar ambientes que se assemelhem à realidade do consumidor para trazê-lo à pesquisa, se ele vive e pratica determinados hábitos, em lugares de sua preferência? Assim como Maria Eduarda da J&J, executivos de alto escalão das mais renomadas organizações trocaram o paletó com gravata por roupas comuns, uniformes de garçons e foram vivenciar as intimidades do consumidor. Em 2005, 14 mil funcionários da AmBev, inclusive seu presidente Luiz Fernando Edmond, foram a campo, conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, em 23/01/06.
Nasceu assim a Pesquisa Etnográfica. Uma pesquisa baseada nos conceitos da antropologia. Uma verdadeira imersão no meio em que vivem os consumidores.
Esta preocupação com a intimidade do consumidor também foi objeto de debate no ENA 2005 – Encontro Nacional de Anunciantes, promovido pela ABA – Associação Brasileira de Anunciantes, que tratou da Criatividade, Ética e Resultados. Em sua edição do 4o. Trimestre de 2005, a CENP EM REVISTA, publicação do CENP – Conselho Executivo das Normas Padrão, entidade que trata da normatização e ética nas relações do mercado publicitário, trouxe um importante depoimento da Diretora de marketing da Procter & Gamble, Juliana Azevedo. Juliana disse que “Ainda que seja uma empresa fortemente apoiada em inovação, que conta com mais de 7 mil cientistas em seu quadro de colaboradores no mundo inteiro, a P&G logo percebeu que não teria como usar por aqui – Brasil – soluções pré-formatadas. A saída foi a estrutura para usar o consumidor como fonte de inspiração. Para tanto, a P&G investiu em vários tipos de estudos etnográficos, nos quais seus executivos vivenciam a experiência do consumidor, acompanhando-o no domicílio, ou no ponto de venda, trabalhando, por exemplo, como balconista de uma farmácia”.
Foi em uma dessas vivências que uma das executivas da P&G, Anamaria Gotelli, freqüentando a residência de uma família na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, observou que a área em que lavam a roupa costuma ser descoberta e úmida. Por isso a P&G adotou a embalagem de plástico no sabão em pó Ariel. Entre os principais produtos do mix da Procter & Gamble estão os sabonetes, xampus e perfumes, bons motivos para Anamaria entrar em um salão de cabeleireiro, no largo 13 de Maio, uma região popular da zona Sul de São Paulo, onde pagou 12 reais por uma escova. “Nenhum ambiente é mais propício a comentários espontâneos do que o cabeleireiro de bairro”, segredou à Exame.
A Unilever foi a primeira multinacional a aderir ao marketing etnográfico no Brasil. Foi acompanhando donas de casa que surgiram os molhos de tomate com polpa de beterraba, cenoura, espinafre e vegetais combinados, e o que é importante, sem o gosto dos legumes, somente com seus nutrientes. Claudia Ignácio, gerente de pesquisas, diz que cansou de ouvir mães afirmarem que obrigavam seus filhos a comer verduras e legumes.
Acredito em vivências embasadas nas Intimidades dos relacionamentos, sejam dos amantes, sejam de consumidores em busca de produtos que saciem seus mais diversos desejos. Desejos fazem parte da razão humana. Dentre os segredos descobertos além das alcovas, nos botequins, salões de cabeleireiros, favelas, supermercados, filas de banco, cinemas... o mais precioso é constatar que somos, indistintamente, carentes. Mesmo nos momentos em que estamos vivendo a plenitude de uma deliciosa relação amorosa ou com um sorvete da Kibon, o sabão em Pó Omo, um Johnny Walker, um Volkswagen, uma Mercedes... gostamos de sentir aquela prazerosa sensação de que somos motivos de atenção e carinho constantes.
Porém, apesar da diversificação ser uma tendência, vale citar Michael Porter; quando ele diz, "A estratégia fixa limites para o que a empresa tenta fazer. Tem a ver com escolhas: Não se pode ser tudo para todos”, parece afirmar que as corporações devem seguir uma diretiva em busca da verdadeira vocação, refletida na personalidade dos produtos por elas gerados.
Para concluir minha ousadia em tratar de assunto tão extraordinário eu afirmo: a conquista é como remédio de uso continuo, tem que acontecer todo dia. A traição e o fim dos grandes relacionamentos, basicamente acontecem quando nos achamos suficientemente seguros e nos distraímos, esquecendo o dever constante da conquista e, lembrando Chico Buarque, “qualquer desatenção, pode ser a gota d’água”.
É como diz a garotada: Cuidado, porque a fila anda.
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